
Dentre as universidades que mais têm avançado no desenvolvimento de políticas de inclusão, permanência e de enfrentamento às violências nas universidades está a Unicamp – Universidade Estadual de Campinas.
Durante o Seminário do Observatório Caleidoscópio do dia 24 de março de 2025, a professora e pesquisadora Regina Facchini apresentou o processo de institucionalização dessas políticas, enfocando as atoras que estiveram à frente tanto pressionando para a implementação dessas políticas quanto construindo as mesmas. O Seminário é uma atividade de extensão e de divulgação científica organizada pela Nucleação Sul-Sudeste do INCT Caleidoscópio – Instituto de Estudos Avançados em Iniquidades, Desigualdades e Violências de Gênero e Sexualidade e suas Múltiplas Insurgências.
Pesquisadora do Núcleo de Estudos de Gênero Pagu da Unicamp desde 2010, Facchini tem trabalhado com as temáticas de gênero e sexualidade desde o final da graduação em Sociologia e Política pela Fundação Escola de Sociologia e Política de São Paulo, em 1995. Ela é mestre em Antropologia Social (2002) e doutora em Ciências Sociais (2008) pela Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e atualmente é professora permanente dos Programas de Pós-graduação em Ciências Sociais e em Antropologia Social (desde 2011), ambos da Unicamp.
Na sua participação no Seminário, a professora contou sobre a sua atuação desde 2017 junto ao Grupo de Trabalho e depois na Comissão Assessora de Gênero e Sexualidade da Unicamp, relacionado à Política de Enfrentamento à Violência Sexual e Promoção de Equidade de Gênero e Sexualidade na Unicamp.
O vídeo com a apresentação completa já está disponível no Youtube do INCT Caleidoscópio.
Preocupação com políticas afirmativas é histórica na instituição
Segundo Facchini, amparada nos trabalhos de memória desses processos realizados por Ana Maria Fonseca de Almeida, as políticas para a democratização e inclusão da Unicamp estão presentes desde que a universidade foi fundada, na década de 1960.
“Elas têm uma implementação progressiva, especialmente a partir dos anos 1980, quando a Unicamp vai definir a estrutura organizacional dela em paralelo à democratização política do país e quando se consolida a autonomia administrativa e orçamentária, estruturando carreiras docentes e de funcionários e criação de diversos serviços de apoio”, explicou.
Entre os serviços de apoio criados pela universidade desde então, estão: o Serviço de Assistência Estudantil (1975), o Centro de Saúde da Comunidade (1985), o Serviço de Assistência Psicológica e Psiquiátrica ao estudante (1987) e a Moradia Estudantil (finalizada em 1992, e que é acompanhada por bolsas e auxílios sociais diversos para estudantes de grupos historicamente menos representados).
Já a partir dos anos 2000, passa a haver políticas explícitas de inclusão, como as bonificações no vestibular (PAAIS) implementadas em 2005, e que se modificaram para a política de cotas, em 2019. “Atualmente, a gente tem cotas para pessoas negras e para pessoas com deficiência, e estamos para ter uma votação no Conselho Universitário das cotas para pessoas trans”, relatou.
Ação dos movimentos feministas por políticas de enfrentamento às violências
Com uma história que aponta para meados dos anos 1970, os grupos feministas da Unicamp têm sido uma força motriz para o desenvolvimento de várias das políticas. “O Coletivo Feminista de Campinas iniciou as atividades a partir de um núcleo pioneiro na militância feminista da cidade, criado na Unicamp para reivindicar creche para as mães e alunas da comunidade universitária”, apontou a pesquisadora.
Foi este grupo, que passou a ser chamado de Grupo de Mulheres da Unicamp, que deu início a um grupo de estudos e, depois, a um centro de estudos, formalizado em 1994, como Núcleo de Estudos de Gênero Pagu.
Em 2007, outro grupo, o Coletivo Feminista, desencadeou numa ação inédita, que foi a criação de um grupo de trabalho com o objetivo de elaborar políticas de prevenção e combate a qualquer forma de violência sexual, assédio sexual e discriminações, como racismo e homofobia no campus. O grupo desenvolveu ações como oficinas de sensibilização sobre violência contra a mulher para funcionários de segurança da universidade, uma campanha junto ao SAE e a construção de um blog para relatar situações de violência no campus.
Esse movimento, somado à organização da Marcha das Vadias em 2011 – inspirada pela Slutwalk de Toronto, mas motivada a partir de casos de violência sexual no Distrito de Barão Geraldo, onde se localiza a Unicamp – provocou uma mudança de sensibilidade na universidade.
Segundo Facchini, a partir de 2015, com as denúncias dos trotes da USP que culminaram na instauração de uma Comissão Parlamentar de Inquérito na Assembleia Legislativa de São Paulo, começou a ocorrer um processo de desnaturalização das violências. Em resposta à CPI dos Trotes, como ficou conhecida, a Unicamp criou um grupo de trabalho responsável por elaborar uma proposta política para combater a discriminação de gênero, o assédio e a violência sexual na instituição.
A criação e o trabalho da Comissão Assessora da Política de Combate à Discriminação
A constituição de um Grupo de Trabalho para pensar políticas de combate às discriminações baseadas em gênero e sexualidade resultou em uma série de transformações na forma como a Unicamp lidava com situações de violência.
Entre as ações, esteve a criação da Comissão Assessora de Política de Combate à Discriminação Baseada em Gênero e/ou Sexualidade, a criação de uma secretaria, que acabou se tornando o Serviço de Atenção à Violência Sexual (SAVS), direcionado a receber e encaminhar relatos de denúncia de violência sexual e oferecer apoio a membros da universidade, e iniciativas de conscientização e educação voltadas para a comunidade universitária.
Assim, a partir de 2018, foi elaborado e aprovado um protocolo para o acolhimento e encaminhamento de queixas de discriminação relacionadas a gênero e/ou sexualidade e violência sexual, além de um programa de conscientização, educação e treinamento para todos os segmentos da universidade que, ao longo desses anos, têm ficado mais conhecidos e se fortalecido na instituição, o que pode ser demonstrado pelos dados de atendimento do SAVS.
“O início dos atendimentos se deu em 2019, e naquele ano foram realizados um total de 20 atendimentos. Esse padrão segue em 2020 e 2021, quando o atendimento foi remoto, assim como as aulas estavam sendo. Em 2022, as atividades presenciais foram retomadas, e o SAVS inicia o que entendemos como a fase de maior reconhecimento na instituição. Naquele ano, foram realizados 37 atendimentos e inúmeras rodas de formação. Em 2023 e 2024 o serviço se consolida e a gente passa a ter 170 casos atendidos em 2023 e 121 casos atendidos em 2024. Desde a criação do serviço, em 10% dos casos o queixoso decidiu formalizar a denúncia, mas parcela significativa dos processos ainda está em andamento, com pontos de morosidade nos processos de abertura e condução das sindicâncias, por exemplo, o que ainda é uma dificuldade”, concluiu.