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Pesquisa mostra a expansão dos estudos de gênero no Brasil, com concentração no Sudeste e nas universidades públicas

Em seu trabalho de doutorado na Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), Natascha Helena Franz Hoppen demonstra o crescimento das pesquisas e publicações na área de estudos de gênero no país e revela a concentração regional das publicações na área.

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Arte de divulgação do Seminário do Observatório Caleidoscópio. Elaboração: Morgani Guzzo.

Em seu trabalho de doutorado na Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), Natascha Helena Franz Hoppen demonstra o crescimento das pesquisas e publicações na área de estudos de gênero no país e revela a concentração regional das publicações na área: o Sudeste concentra 48,48% das publicações, o Nordeste 28,94%, o Sul 18,92%, o Centro‑Oeste 8,31% e o Norte apenas 2,29%.

Intitulada “Análise bibliométrica da pesquisa brasileira em estudos de gênero, feministas e sobre mulheres: resultados e desafios”, a pesquisa buscou mapear a produção acadêmica sobre estudos de gênero, a partir da reunião e análise de 31.609 registros de artigos coletados na base 1Findr e produzidos entre 1970 e 2019. Ela apresentou sua pesquisa durante a primeira sessão do 2º Seminário do Observatório Caleidoscópio, em 24 de março de 2025.

O vídeo com a apresentação completa está disponível no Youtube do INCT Caleidoscópio.

A pesquisa evidencia avanços, mas também lacunas e desafios metodológicos e institucionais. As universidades públicas lideram a produção acadêmica, com maior frequência de artigos em estudos de gênero, feministas e sobre mulheres em instituições como USP, UFSC, UFRGS, Unicamp e UFRJ.

Observa‑se também outro padrão de concentração: poucas pessoas publicam muito, enquanto a maioria publica raramente, e grande parte das pesquisas é de autoria individual. Além disso, embora a maioria das pessoas que publicam na área de estudos de gênero sejam mulheres, os cinco autores com maior número de artigos publicados no período da pesquisa são homens, que publicam principalmente trabalhos sobre saúde da mulher, o que evidencia que vieses de gênero na ciência estão presentes, além de características específicas das áreas de publicação.

A pesquisa se debruçou sobre diferentes recortes e indicadores bibliométricos da produção científica: recortes de disponibilidade de acesso, autoria, frequência de instituições, padrões de coautoria, temas e assuntos mais frequentes, áreas de pesquisa e mapeamento da produção de pesquisa dentro do território nacional e seu desenvolvimento ao longo do período, considerando o contexto histórico de cada década.

Com levantamento de artigos científicos com ampla cobertura e seletividade, os indicadores utilizados foram de coautoria, colaboração geográfica, acesso (aberto ou pago), idioma das publicações, disciplinas mais frequentes e mapeamento geográfico da produção.

Análise por décadas

Ao fazer um panorama temporal, Natascha organiza as publicações por décadas, iniciando pelos anos 1970, momento em que se identifica a produção de artigos que mencionaram temas relacionados a gênero, principalmente em periódicos da área da saúde pública e enfermagem, concentradas em São Paulo, e em periódicos da saúde, com ênfase em estudos em saúde materna.

Nos anos de 1980, com o processo de redemocratização do Brasil, ocorre uma mudança terminológica — pesquisas que tratavam sobre “mulher” passam a ser nomeadas como “estudos de gênero”. Também é o momento em que HIV e AIDS aparecem pela primeira vez nas palavras-chave das pesquisas.

Os anos 1990 são marcados como o momento de consolidação dos estudos de gênero como área de pesquisa no país devido ao aumento de pesquisas na temática, principalmente de pesquisadoras advindas das ciências humanas.

“Essa década, eu diria que é a consolidação da área como um campo de pesquisa no país, porque há muitas pessoas que passam a publicar artigos em estudos de gênero, a publicação cresce ano a ano, há entrada de muitas pessoas publicando em estudos de gênero advindas das ciências humanas”, afirma a autora durante a apresentação. Esse impulso também se deve ao financiamento nos estudos de gênero por instituições estrangeiras, o que atraiu muitos pesquisadores, em conjunto com a fundação de revistas pioneiras nos estudos de gênero, como as Revistas de Estudos Femininas e Cadernos Pagu.

A partir dos anos 2000, ocorre uma aproximação entre pesquisa e políticas públicas — a pesquisa passa a ver o governo como aliado em políticas para mulheres. Na saúde há uma transição paradigmática de “saúde da mulher” para “gênero e saúde”. Também emergem estudos queer e pesquisas sobre sexualidades consideradas desviantes.

Por fim, nos anos 2010, houve um aumento da colaboração e formação de clusters institucionais. A proximidade geográfica torna-se fator importante na formação de coautoria e ocorre um crescimento na participação de áreas diversas que antes não apareciam nas pesquisas.

Expansão e diversificação, com concentração geográfica

A análise dos dados revela uma expansão contínua e uma diversificação temática importante. A produção anual só cresce e envolve todas as áreas do CNPq, com predominância das ciências humanas e seguida pelas ciências da saúde.

Territorialmente, a distribuição é bastante desigual: o Sudeste concentra 48,48% das publicações, o Nordeste 28,94%, o Sul 18,92%, o Centro‑Oeste 8,31% e o Norte apenas 2,29%. Logo, a maioria das publicações concentra-se na região Sudeste. A autora reconhece que existem lacunas nos registros de informações sobre a região norte e reitera a importância do incentivo aos estudos de gênero na região. 

Sobre a localidade das colaborações nas pesquisas, a proximidade geográfica mostra‑se relevante para estabelecer colaborações institucionais. A colaboração internacional é limitada; em termos relativos, os parceiros mais frequentes são Estados Unidos, Portugal e Argentina.

Temáticas: sexualidade, interseccionalidade e aborto

A pesquisa mostrou que tem crescido as pesquisas sobre diversidade sexual e de gênero, mas a homossexualidade feminina recebe menos atenção do que a masculina. A perspectiva interseccional de gênero e raça também cresceu, porém em menor medida do que seria desejável.

O aborto é tema recorrente desde as primeiras décadas estudadas e continua sensível no debate social. Em áreas específicas, nas ciências da saúde, predominam estudos em saúde pública, enfermagem e epidemiologia.

Em síntese, a expansão dos estudos de gênero no Brasil é uma conquista feminista que ampliou o campo, mas enfrenta desafios estruturais — desigualdade regional, concentração institucional, baixa internacionalização, lacunas temáticas e vulnerabilidade em contextos conservadores — que exigem políticas públicas e incentivos institucionais para promover formação, financiamento e uma distribuição mais equitativa da pesquisa pelo território nacional.

Além disso, os estudos de gênero no Brasil sofrem com a sua frágil institucionalização, visto que não há uma área de pesquisa formal no CNPq e faltam concursos públicos específicos para docentes especialistas no tema.

Sobre a pesquisadora

Natural do Rio Grande do Sul, Natascha é bacharela em Biblioteconomia e mestre e doutora em Comunicação e Informação pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Sua tese de doutorado foi defendida em 2021 e aprovada com louvor por unanimidade pela banca examinadora. No mestrado, a pesquisa rendeu o prêmio de melhor dissertação do ano pela Associação Nacional de Pesquisa e Pós-graduação em Ciência da Informação (ANCIB, 2015).

Atualmente é bibliotecária documentalista na UFRGS, responsável pelos periódicos Em Questão e Intexto. Tem vasta experiência na área de Ciência da Informação, com ênfase em Biblioteconomia, atuando em temas como comunicação científica, periódicos científicos, bibliometria e cientometria, normalização bibliográfica, bibliotecas universitárias e metodologia da pesquisa. Também participa de estudos nas áreas de filosofia da diferença e educação.

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