
“Para que haja uma nova forma de pensar e uma perspectiva de gênero e raça no campo jurídico, é fundamental repensar a própria maneira de ensinar o Direito”. Esta é, segundo a jurista e professora Ela Wiecko Volkmer de Castilho (UnB), a premissa central de sua pesquisa em andamento, intitulada: “Presença de Mulheres na Educação Jurídica do Brasil sob a Perspectiva de Gênero e Raça”.
Segundo a professora, o primeiro passo da pesquisa foi entender o perfil sociodemográfico de docentes e discentes de graduação, com o objetivo de subsidiar essa mudança epistemológica. Ela apresentou parte dos resultados em fala intitulada “Mulheres docentes nos cursos de graduação em Direito das instituições públicas e privadas de ensino superior no Brasil, entre 2001 e 2021”, durante o 2º Seminário do Observatório Caleidoscópio do dia 22 de abril de 2025.
O Seminário é uma atividade de extensão e de divulgação científica organizada pela Coordenação Sul-Sudeste do Observatório do INCT Caleidoscópio – Instituto de Estudos Avançados em Iniquidades, Desigualdades e Violências de Gênero e Sexualidade e suas Múltiplas Insurgências.
Veja a gravação completa de sua apresentação no canal do Youtube do INCT Caleidoscópio.
Perfil típico de gênero, faixa etária e deficiência na docência em Direito
Inicialmente, a análise dos dados revelou que o docente típico no ensino jurídico brasileiro, tanto em instituições públicas quanto privadas, é um homem, com idade média de 39 anos. Do total de docentes do ensino superior, 53,14% são homens e 46,86% mulheres.
A análise por faixa etária em instituições públicas mostrou que, embora as mulheres estejam presentes em todas as faixas, os homens predominam em números absolutos. A faixa etária prevalente, para ambos os sexos, é entre 40 e 49 anos, com 738 mulheres e 1.222 homens. A pesquisa nota que a presença de mulheres diminui drasticamente em faixas etárias mais altas, sendo 19 mulheres e 49 homens com idade entre 70 e 79 anos.
No que diz respeito a pessoas com deficiência (PCD), a pesquisadora destaca que o número de docentes PCD é menor nas instituições públicas. A média de docentes PCD em instituições públicas no período pesquisado é de 5,75 mulheres e 14,72 homens. Já em instituições privadas, a média é de 33,58 mulheres e 71,25 homens.
Distribuição por Raça e Cor
Ao cruzar as variáveis de sexo e raça/cor, a pesquisa revelou importantes discrepâncias.
Nas instituições públicas, a maioria dos docentes são homens brancos (32%), seguido por 19% de mulheres brancas, 10% de homens pretos e pardos e 6% de mulheres pretas e pardas. Já nas instituições privadas, a média de homens brancos na docência é de 40% e de mulheres brancas é de 27%, enquanto os homens pretos e pardos representam 12%, e as mulheres pretas e pardas 7%.
A comparação entre as instituições públicas e privadas demonstra que, embora baixo, o percentual maior de docentes pretas/os e pardas/os está nas instituições privadas, fato associado, segundo a professora Ela, ao “boom” das faculdades de direito privadas a partir dos anos 2000, cujo acesso foi facilitado através de programas de financiamento como FIES e o PROUNI e ações afirmativas para pessoas negras (pretas e pardas). A autora reconhece que existem lacunas nos dados sobre a população docente indígena e amarela, e recomenda a ampliação da pesquisa sobre essas categorias.
Maior representatividade resulta em transformação no ensino do Direito?
Os dados evidenciam que, apesar de um crescimento no número de mulheres e da população preta e parda na docência do Direito, a paridade de gênero e raça ainda está distante, tendo como exemplo que, mesmo dentro da categoria raça, as mulheres pretas e pardas ainda estão em menor número em cargos de docência em comparação aos homens negros. Da mesma forma, a maior presença de docentes de cor/raça em instituições privadas, impulsionada por políticas de acesso, não garante, por si só, uma mudança na forma como o Direito é ensinado.
Assim, a professora nos convida à reflexão proposta na próxima etapa da investigação: o aumento de representatividade no ensino jurídico tem impactado para um ensino e prática antirracista, anticlassista e feminista? Segundo Ela, a maior representatividade e diversidade na docência deveria impulsionar o desenvolvimento de metodologias plurais e resultar em uma mudança epistemológica na área.
A pesquisadora também destaca as lacunas dos registros binários de gênero (ainda com a nomenclatura “sexo”) nos formulários das instituições, o que reflete na ausência dados de pessoas transgênero e não-binárias, impossibilitando análises que contemplem a identidade de gênero de todas as pessoas.
A pesquisa parte do levantamento dos dados quantitativos do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (INEP), concentrando sua análise no recorte temporal de 2010 a 2021. O projeto, aprovado no edital CNPq Universal 2023, já teve sua primeira etapa publicada nos anais do Congresso de Pós-Graduação em Direito (CONPEDI).
Sobre a autora:
Ela Wiecko Volkmer de Castilho possui graduação em Direito pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (1971), mestrado em Direito Público pela Universidade Federal do Paraná (1987) e doutorado em Direito pela Universidade Federal de Santa Catarina (1996). Atualmente, é professora aposentada da Faculdade de Direito da Universidade de Brasília, onde mantém o vínculo como pesquisadora colaboradora no Programa de Pós-graduação de Direito.
Como pesquisadora, lidera o Grupo Candango de Criminologia, o Moitará-Grupo de Pesquisa de Direitos Étnicos e o Grupo de Pesquisa Direito, Gênero e Famílias. Suas atividades de ensino, pesquisa e extensão se inserem na Linha de Pesquisa “Criminologia, Estudos Étnico-Raciais e de Gênero”. É igualmente pesquisadora colaboradora do Núcleo de Estudos e Pesquisa sobre Mulheres (NEPeM) do Centro de Estudos Avançados Multidisciplinares (CEAM) da UnB . Também é credenciada no Programa de Pós -Graduação em Direitos Humanos e Cidadania, na Linha de Pesquisa Políticas Públicas, Movimentos Sociais, Diversidade Sexual e de Gênero, Raça e Etnia.
Integra o Comitê Executivo da Red de Académicos/as de Derecho de la América Latina (RED ALAS), participa da Rede Brasileira Mulheres Cientistas, do INCT Caleidoscópio e do Consórcio Lei Maria da Penha pelo Enfrentamento a Todas as Formas de Violência de Gênero contra as Mulheres.
Subprocuradora-Geral da República aposentada, exerceu as funções de Procuradora Federal dos Direitos do Cidadão, Coordenadora de Câmaras de Coordenação e Revisão, Corregedora-Geral, Ouvidora-Geral, Vice-Procuradora Geral da República e Vice-Presidente do Conselho Superior do Ministério Público Federal (MPF). Coordenou o Comitê Gestor Pró-Equidade de Gênero e Raça e a Comissão Nacional de Prevenção e Enfrentamento do Assédio Moral, do Assédio Sexual e da Discriminação do MPF.