
A Conferência “Mais Meninas e Mulheres nas Ciências: por uma agenda de equidade e interseccionalidade” aconteceu nos dias 15 e 16 de março de 2024, na Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ), como parte da 5ª Conferência Nacional de Ciência, Tecnologia e Inovação. Contou com 778 inscrições, reuniu presencialmente 451 pessoas e apresentou cerca de 350 propostas. Teve como eixos temáticos: o Impacto da construção de estereótipos de gênero e raça na carreira de mulheres cientistas; o Combate à cultura do assédio e às violências de gênero e de raça na carreira científica; a Equidade e interseccionalidade no financiamento à pesquisa e inovação no Brasil; a Baixa representação das mulheres nos espaços de poder; as Políticas de cuidado e de maternidade em perspectiva interseccional.
Reuniu pesquisadoras e cientistas de diversas áreas, estudantes, professoras, técnicas administrativas, mães atípicas, avós, pais. Mulheres trans, cis, pessoas não-binárias. Indígenas, brancas, negras, pardas. As propostas e contribuições representaram esta diversidade, focaram na construção de políticas públicas de impacto social na vida de mulheres nas ciências com perspectiva geracional. Foi a celebração da reunião das mulheres em carreiras científicas para a promoção de direitos de equidade no universo da ciência.
Esta reunião começou com um chamado da Professora Miriam Grossi (UFSC), que estava na comissão nacional de organização da 5ª Conferência Nacional de Ciência, Tecnologia e Inovação, para que pudéssemos pensar conjuntamente sobre a participação das mulheres cientistas na conferência. A intenção inicial era debater como a 5CNTI poderia promover a igualdade entre gênero nas mesas de debate como também nas pré-conferências, e abrir o debate para a construção de políticas públicas de equidade de gênero na ciência. A tese inicial é que não se poderia repetir, sobretudo, a mesa de abertura da 4CNTI, há 12 anos atrás, composta essencialmente por homens brancos. Mesa essa que não refletia a diversidade de quem produz ciência no Brasil. Estes debates se iniciaram essencialmente pelos grupos organizados de whatsapp da Rede Brasileira de Mulheres Cientistas e do INCT Caleidoscópio.
Foi quando em 25 de janeiro de 2024, em formato virtual, a Professora Miriam Grossi, propôs com diversos setores organizados e também setores independentes de mulheres uma reunião junto à coordenação da 5CNCTI e ao Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação para pensar propostas que garantissem maior participação de mulheres na ciência durante a realização das etapas da 5CNCTI.
Lembra-se que neste período tanto a Rede Brasileira de Mulheres Cientistas, quanto o INCT Caleidoscópio e outros (e diversos) grupos de pesquisa em gênero estavam se organizando em torno de conferências livres com a temática Mulheres na Ciência.
Esta primeira reunião foi bem representativa, contando com mais de cinquenta pesquisadoras, de diferentes partes do Brasil, junto às representações do MCTI. A discussão se deu em apresentar às gestoras do MCTI presentes na reunião a importância do tema e, por isso, a relevância em se instituir no âmbito nacional em torno da 5CNCTI o debate sobre mais mulheres na ciência. Após esta primeira reunião foi organizado um grupo de whatsapp, como referência para a organização e os próximos passos acerca da participação das mulheres na 5CNCTI.

Participaram desta primeira reunião: Miriam Grossi, Cristina Araripe (Fiocruz), Mirlene Simões (SBPC/SP), Elisangela Lizardo (MCTI), Luana Bonone (MCTI), Roberta Peixoto (MCTI), Karen Castelli (MCTI), Patricia Valim (UFBA e RBMC), Margarete Lopes (Pagu UNicamp e INCT Caleidoscópio), Luciana Barbosa Amâncio (UFPI), Jaqueline Góes (USP), Letícia de Oliveira (UFF e Parent in Science), Julieta Palmeira (Finep), Joyce Muzi (IFPR, INCT-Caleidoscópio), Maria Elisa Máximo (SBPC/SC), Camila Silveira (UFPR), Claudia Linhares (SBPC Diretoria), Dolores Galindo (INCT Caleidoscópio), Cristiana Brito (Fiocruz), Giovanna Machado (Futuras Cientistas-CETENE), Regiane Ribeiro (UFPR) Joana Maria Pedro (UFSC e INCT-Caleidoscópio) e Maria do Rosário (UFRPE e NPAMC).
Logo após esta primeira reunião outros atores foram se somando à proposta, e muitas mulheres cientistas e pesquisadoras se somaram na articulação e organização da Conferência Temática, assim como atores institucionais: o Ministério das Mulheres do Governo Federal, a Associação Nacional de Pós Graduandos (ANPG), a Finep, a Fiocruz, Universidades, Institutos de Pesquisa. A rede foi sendo tecida a partir da costura de setores ligados à ciência e pesquisa e mulheres pesquisadoras.
O grupo de trabalho do whatsapp ficou com mais de trezentos participantes, que foram se somando conforme as etapas de organização da conferência.
Em 07 de fevereiro teve lugar a segunda reunião do que se convencionou chamar Grupo Coordenador de Mulheres da 5CNTI. Neste momento, de forma mais concreta foi apresentada pela Profa. Miriam Grossi a proposta de uma Conferência Temática de Mulheres, para além das conferências livres que seriam organizadas. As representantes do MCTI acataram a proposta. Os debates então a partir daí foram direcionados à organização de realização da conferência.
Juana Nunes, Diretora do Departamento de Popularização da Ciência, Tecnologia e Educação Científica do MCTI, propôs na reunião a Conferência ser realizada em 15 de março, no Rio de Janeiro, logo depois da Conferência Temática de Ciência, Tecnologia e Inovação para o Desenvolvimento Social, garantindo-lhe assim condições de infraestrutura e logística. Após ampla discussão, aprovou-se que a conferência seria na UERJ, no Rio de Janeiro, por conta das estruturas físicas que a conferência exige e por conta que se tratava de uma nova conferência temática que não estava no plano geral de estrutura da 5CNCTI.

Nesta reunião também se aprovou por consenso o título da conferência temática: “Mais meninas e mulheres nas ciências: construindo uma agenda de equidade e interseccionalidade”. A essa reunião mais mulheres e instituições se somaram: Flávia Calé (Doutoranda USP), Clara Araújo (UERJ), Suani Rubim (UFBA).
A terceira reunião aconteceu em 14 de fevereiro. Foi proposto que, dado o tempo curto de organização, e para agilizar as tomadas de decisão, o Grupo Coordenador se separasse em sub-grupos: infraestrutura, mobilização, comunicação e sistematização. Decidiu-se também pela estruturação de um grupo focal de atividades e ações da conferência temática, com as seguintes integrantes: Jaqueline Góes (USP e UFBA), Ana Rocha (Ministério das Mulheres), Julieta Palmeira (Finep) e Miriam Grossi (UFSC).
Entre os dias 16 e 20 de fevereiro se deu lugar às reuniões dos grupos de tarefas para a Conferência e o grupo de sistematização ocupou-se da função de alinhar e retroalimentar os outros grupos nas tomadas de decisão e organização da conferência temática, cuja preocupação intrínseca a todo o trabalho era assegurar a formatação de uma programação diversa e interseccional, que pudesse produzir uma síntese política capaz de abarcar o conjunto das demandas das mulheres na ciência em suas múltiplas dimensões bem como o pertencimento étnico-racial, a territorialidade e a identidade de gênero. O grupo de comunicação trabalhou conjuntamente com a equipe do MCTI para a realização do material de divulgação e o grupo de mobilização trabalhou conjuntamente às professoras e pesquisadoras da UERJ, local onde se daria a Conferência Temática.

Muito trabalho se sucedeu desta data até a realização da Conferência Temática, a Prof. Clara Araújo junto com outras docentes da UERJ se encarregaram dos aportes institucionais, por serem as anfitriãs da conferência.
O que se mostrou foi um intenso trabalho conjunto de pesquisadoras do Brasil todo, muitas que não se conheciam presencialmente, com a intenção de organizar este espaço de discussão e debates da 5CNCTI.
A Conferência Temática nos proporcionou dois dias de debates intensos e apontou que há muito a se construir em âmbito nacional acerca da inclusão de mais mulheres e meninas na ciência. Debates que olhavam na mesma direção: o que fazer para garantir mais meninas e mulheres na ciência a partir de uma agenda de equidade e interseccionalidade?
Na Sessão de Abertura, no dia 15 de março de 2024 o grupo focal da coordenação da conferência se fez presente, Jaqueline Goés (USP e UFBA), saudou a importância do encontro, o primeiro da história do Brasil, enfatizando a necessidade de mais meninas e mulheres na ciência, especialmente as oriundas dos povos originários. Juana Nunes representou o Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação; Ana Rocha, o Ministério das Mulheres; a professora e pesquisadora Clara Araújo, primeira mulher presidente da União Nacional dos Estudantes e referência nos estudos sobre gênero e participação da mulher na política brasileira, representou a Universidade do Estado do Rio de Janeiro-UERJ, sede do Encontro.
Aberta a Conferência, cerca de 450 participantes dividiram-se em cinco mesas sobre temas latentes da ciência brasileira, sob a ótica de gênero e equidade.
Segue abaixo as recomendações que foram publicadas no formato de e-book no site da 5ª CNCTI. Estas resoluções foram apresentadas como síntese dos debates, a versão final com todas as discussões, até o momento de fechar este artigo, não tinha sido publicada.
Recomendações
1. Implementação de políticas públicas inclusivas que promovam a igualdade de gênero e a diversidade em todas as etapas da carreira científica e tecnológica Isso inclui a criação de programas de bolsas específicas para mulheres e minorias étnicas, bem como o apoio ao desenvolvimento de carreira por meio de mentorias e de formação continuada. Tais medidas devem ser acompanhadas por mecanismos rigorosos de monitoramento e avaliação para assegurar sua eficácia e permitir ajustes conforme necessário.
2. Diversificação dos comitês de avaliação e das posições de liderança em instituições de pesquisa e ensino Garantir que esses espaços sejam ocupados por uma representação equilibrada de gênero e raça é fundamental para promover uma distribuição mais justa dos recursos e oportunidades. A inclusão de critérios que favoreçam projetos liderados por mulheres e minorias nas avaliações de financiamento é essencial para mitigar as disparidades existentes.
3. Promoção de um ambiente acadêmico seguro e acolhedor A criação de mecanismos robustos de denúncia e de responsabilização para casos de assédio e violência de gênero e raça é imperativa. As instituições devem estabelecer políticas de acolhimento e suporte psicológico, garantindo recursos adequados para sua implementação. Além disso, a formação obrigatória em diversidade para todos os membros da comunidade acadêmica pode ajudar a desmantelar preconceitos e a promover uma cultura de respeito mútuo.
4. Políticas de cuidado e apoio à parentalidade. Sugeriu-se a implementação de creches nas universidades e a flexibilização de prazos para acadêmicos que são pais, com especial atenção às necessidades das mães cientistas. Essas políticas são essenciais para garantir que as responsabilidades de cuidado não sejam um obstáculo para a progressão na carreira científica.
5. Reconhecer e valorizar os saberes tradicionais e a inclusão de comunidades marginalizadas nos debates sobre ciência e tecnologia. A integração de diferentes perspectivas pode enriquecer o campo científico e garantir que os benefícios da inovação tecnológica sejam compartilhados de maneira mais equitativa.
6. Esforço contínuo para desconstruir estereótipos de gênero e promover a visibilidade das contribuições femininas na ciência Campanhas de conscientização e reconhecimento do trabalho de mulheres cientistas podem inspirar futuras gerações e destacar a importância de uma ciência inclusiva e diversa.
As conferências regionais preparatórias para a 5ª CNCTI destacaram a importância de abordar de forma abrangente e interseccional as questões de gênero e raça no campo da ciência, tecnologia e inovação. As discussões evidenciaram as desigualdades persistentes que afetam meninas e mulheres, especialmente aquelas pertencentes a grupos minoritários, e propuseram uma série de recomendações para promover a equidade e a inclusão nesses setores. A implementação dessas recomendações exige um compromisso colaborativo entre governos, instituições de ensino, empresas e a sociedade civil. Somente com esforços coordenados e persistentes será possível construir um ambiente científico mais justo, inclusivo e capaz de responder aos desafios sociais e tecnológicos do século 21.

Mirlene Fátima Simões é pós-doutoranda no INCT Caleidoscópio. Possui graduação em Ciências Sociais (2001) pela Faculdade de Ciências e Letras da UNESP Araraquara, Mestrado (2006) e Doutorado (2012) pelo Programa de Pós-Graduação em Sociologia da Faculdade de Ciências e Letras da UNESP de Araraquara.