
Contextualização
Desde 2014 a Organização das Nações Unidas (ONU) considera o acesso à saúde menstrual uma questão de saúde pública e de direitos humanos. A pobreza menstrual relaciona-se a 6 dos 17 Objetivos de Desenvolvimento Sustentável – ODS – descritos na Agenda 2030 da ONU: SDG 1- Erradicação da pobreza ; SDG 3 – Saúde e Bem-estar ; SDG 4: Educação de qualidade; SDG 5: Igualdade de gênero, SDG 10: Redução das desigualdades; SDG 13: Ação contra a mudança global do clima. Pobreza menstrual é “um conceito que reúne em duas palavras um fenômeno complexo, transdisciplinar e multidimensional,”vivenciado por meninas e mulheres cis, transhomens e pessoas não binárias, “devido à falta de acesso a recursos, infraestrutura e conhecimento para que tenham plena capacidade de cuidar da sua menstruação.” (UNFPA/UNICEF, 2021, p.5)
Na legislação brasileira, a pobreza menstrual é oficialmente tratada a partir de 2019 com o Projeto de Lei nº 4968/2019 (Brasil, 2019), de autoria da Deputada Federal Marília Arraes, do Partido dos Trabalhadores (PT), transformado na Lei nº 14.214/2021 (Brasil, 2021). São essas investidas que ajudam a instituir o Programa de Proteção e Promoção da Saúde Menstrual, implementado em 13 de junho de 2023 pela Portaria Interministerial nº 729 (Brasil, 2023), envolvendo os ministérios da Saúde, das Mulheres, da Educação, dos Direitos Humanos e da Cidadania, da Justiça e Segurança Pública, e do Desenvolvimento e Assistência Social, Família e Combate à Fome. O Programa de Proteção e Promoção da Saúde Menstrual promove o acesso a insumos de gestão menstrual. Especificamente, o Programa garantirá a distribuição de absorventes gratuitos a cerca de 24 milhões de pessoas em condição de vulnerabilidade social, registradas no Cadastro Único – CadUnico do Governo Federal. O público-alvo do Programa são pessoas em situação de rua ou de pobreza, pessoas de famílias de baixa renda, matriculadas na rede pública de ensino (em qualquer modalidade de ensino, no âmbito estadual, municipal e federal) e pessoas que estejam cumprindo medidas socioeducativas ou que estejam no sistema penal. A distribuição gratuita de absorventes é realizada pelo Programa Farmácia Popular, do Sistema Único de Saúde (SUS).
O acesso à dignidade menstrual perpassa pela lente interseccional, pois está enraizado nas histórias intergeracionais de desigualdades de gênero, etnia, raça, geopolítica e classe social, colocando em relevo o gênero junto a outras dimensões identitárias. A saúde de pessoas que menstruam (meninas e mulheres cisgênero, transhomens e pessoas não binárias) frequentemente apresenta mais obstáculos quando essas pessoas fazem parte de comunidades marginalizadas.
No Brasil, 1,24 milhão de meninas não têm acesso a papel higiênico nos banheiros de suas escolas (11,6% do total dos estudantes no país) e cerca de 4,9 milhões (31,32%) estudam em escolas sem esgotamento sanitário (UNFPA/UNICEF, 2021, p. 18-24). O Relatório demonstra que “negligenciamos as condições mínimas para a garantia da dignidade da pessoa humana, ignorando as necessidades fisiológicas de cerca de metade da humanidade, as meninas e mulheres” (UNFPA/UNICEF, 2021, p. 26). Com base em dados do Censo Escolar e do Indicador de Nível Socioeconômico (Inse), o relatório A cor da infraestrutura escolar: diferenças entre escolas brancas e negras, do Observatório da Branquitude (2024), indica que as escolas mais pobres do país estão localizadas nas regiões Norte e Nordeste, especialmente no Amazonas, e têm alunos autodeclarados pretos, pardos e indígenas como maioria de sua população estudantil. Segundo o relatório, um terço não tem água potável e mais da metade das escolas se encontra em territórios diferenciados. As dimensões interseccionais são visíveis nos números descritos nos dois relatórios que, embora datados em anos distintos, reforçam a gravidade do problema para as pessoas que menstruam nestes contextos e espaços.
Por que fazer eventos de letramento sobre educação e saúde menstrual?
A divulgação do Relatório Pobreza menstrual no Brasil: desigualdades e violações de direitos, publicado pelo UNFPA e pelo UNICEF mostra, de maneira assustadora, como as dimensões estruturais e econômicas constituem e reverberam tal problema, enumerando, especificamente:
“(i) falta de acesso a produtos adequados para o cuidado da higiene menstrual tais como absorventes descartáveis, absorventes de tecido reutilizáveis, coletores menstruais descartáveis ou reutilizáveis, calcinhas menstruais etc., além de papel higiênico e sabonete, entre outros; (ii) falta de acesso a medicamentos para administrar problemas menstruais e/ou carência de serviços médicos; (iii) insuficiência ou incorreção nas informações sobre a saúde menstrual e autoconhecimento sobre o corpo e os ciclos menstruais; (iv) questões econômicas como, por exemplo, a tributação sobre os produtos menstruais e a mercantilização dos tabus sobre a menstruação com a finalidade de vender produtos desnecessários e que podem fazer mal à saúde” . (UNFPA/UNICEF, 2021, p. 11, grifo nosso).
O Relatório chama atenção para o atraso na educação sobre saúde menstrual, que normalmente ocorre nos últimos anos do Ensino Fundamental, quando a maioria des/dos/das estudantes já menstruou pela primeira vez. Além disso, os programas de saúde também pouco se concentram no atendimento e tratamento de sintomas pré-menstruais que afetam a permanência nas escolas. Educação e informação sobre menstruação e o combate à estigmatização e ao preconceito são urgentes, em especial nas práticas socioescolares, de modo a evitar, principalmente, a baixa produtividade no período do ciclo menstrual e também a evasão escolar.
As escolas públicas de ensino fundamental e médio são espaços estratégicos para identificarmos e coletarmos evidências científicas que possam subsidiar a gestão de políticas públicas e a transferência de conhecimento em discursos, territorialidades, corporeidades, educação e saúde, de forma a contribuir para o enfrentamento e possíveis soluções para o problema da pobreza menstrual, principalmente por meio de políticas públicas que garantam a permanência de corpos menstruantes em escolas, garantindo a distribuição de itens de higiene, melhorias nos banheiros e saneamento, até a educação menstrual (Menegotto, 2022; Vásquez, 2022; UNFPA/UNICEF, 2021; Assad, 2021; Ribeiro; Santos, 2021; Lima, 2021; Moreira, 2021; Costa, 2021; Brito, 2021; Sala, 2020; Weiss-wWlf, 2017).
É imprescindível a proposição de políticas públicas interseccionais e decoloniais que levem a sociedade a compreender que a pobreza menstrual é o resultado das práticas da colonialidade, que afetam principalmente regiões Norte e Nordeste, área rural e em condições de extrema pobreza, além de pessoas, que não tem o mínimo de infraestrutura de saneamento básico. Para Aline Matulja, engenheira sanitarista, 321 mil meninas brasileiras não têm acesso a banheiro nas escolas que frequentam e mais de 1,5 milhão de mulheres não têm banheiro em casa. Além de faltar às aulas quando menstrua, essas pessoas têm seus corpos expostos pela falta de banheiro. Matjula identificou, em seu projeto de construção de banheiros em comunidades abaixo da linha da pobreza, que homens, ainda que tenham acesso a banheiros, preferem não usá-los, enquanto as mulheres necessitam deste espaço privado por inúmeros motivos, sendo um deles a gestão menstrual.
As informações acima mostram a necessidade de promover eventos de letramento crítico em saúde menstrual como um instrumento político capaz de trazer à tona diversos saberes e práticas que permitam construir outros significados e outras formas de pensar a menstruação em suas mais variadas dimensões. Com o objetivo de ressignificar saberes sobre a menstruação, a relação com o cuidado e o bem-estar sociocultural do corpo menstruante e o equilíbrio ecológico, no espaço escolar, que surge o Projeto MEInstruaAÇÂO, planejado e organizado a partir de rodas de conversa, como eventos de letramento crítico decolonial e interseccional, já que, como informa Catherine Walsh (2007, p. 24), é preciso “desafiar e derrubar as estruturas sociais, políticas e epistêmicas da colonialidade, que mantêm padrões de poder enraizados na racialização, no conhecimento eurocêntrico e na inferiorização de alguns seres como menos humanos”.
O Projeto MEInstruAÇÂO
O Projeto MEInstruação iniciou-se em 2023 como uma Ação Extensionista em atendimento ao Edital Programa Estratégico DEX/DPI/SDH N.º 05 /2023 – Mulheres e Meninas na Ciência: o futuro é agora, proposto pela Universidade de Brasília, com fomento destinado a incentivar a participação de mulheres e meninas preferencialmente da rede pública de ensino do Distrito Federal. O projeto foi desenvolvido no período de 6 meses: julho a dezembro, com a participação de duas bolsistas de extensão e duas professoras, no Instituto Federal de Brasília – campus Plano Piloto. Dos três eventos de letramento propostos – rodas de conversa com estudantes e professoras/es de duas turmas sobre temas relacionados à relação entre menstruação (da pobreza à dignidade menstrual das pessoas que menstruam), meio ambiente e sustentabilidade ambiental – foram realizadas apenas duas, devido a problemas de logística na escola.

O modo como (inter)agimos em nossa vida e como nos relacionamos com o outro e com o mundo que nos rodeia, em situações comunicativas e em contextos diversos, afeta a forma como construímos e produzimos significados e diz muito sobre a nossa participação ética e cidadã na vida em sociedade. Nesse cenário, “usamos letramentos para pensar e construir significados para nós mesmos, para fazer sentido em nossos mundos” (Kalantzis, Cope, Pinheiro, 2020, p. 23), os quais envolvem tanto as “maneiras de ver e pensar (representação)”quanto as de “construir mensagens significativas e eficazes (comunicação)”, pensando em como lidamos “com a comunicação em contexto não familiar”, para que possamos aprender e ter sucesso em espaços desafiantes de linguagem. Estamos assumindo, junto a Kalantzis, Cope e Pinheiro (2020, p. 25), que os letramentos devem ser abordados partindo-se de uma perspectiva decolonial e interseccional (Collins; Bilge, 2021; Collins, 2022) que pode “contribuir para um projeto de equidade, dando a aprendizes de grupos historicamente marginalizados oportunidades que não têm estado disponíveis para eles”, para que as pessoas que menstruam possam agir de forma crítica, engajada e agentiva na sociedade.
Nosso objetivo, nos eventos de letramento crítico desenvolvidos, foi criar situações para que os/as/es estudantes refletissem sobre a pobreza menstrual e suas múltiplas dimensões, de modo que se sentissem desafiados/as/es a usar seus conhecimentos para buscar explicações (mais) críticas. De maneira geral, a execução dos eventos de letramento levou às/aos estudantes um conhecimento que, muitas vezes, não chegava a elas/es através dos conteúdos escolares. Ainda que algumas escolas discutam, nas aulas de biologia, questões sobre reprodução sexual, não problematizam a saúde menstrual em uma perspectiva decolonial, interseccional e crítica. Da parte dos/das/des estudantes e professoras/es, foi possível perceber um interesse sobre o tema, pois participaram do debate, expondo suas opiniões; muitos demonstraram indignação, em face da realidade da pobreza menstrual. Ficou visível, ainda, que cabe a nós, enquanto sociedade, pensar em modos para reduzir a quantidade de lixo que produzimos. Acreditamos que esse foi um dos pontos altos dos eventos: mostrar a estudantes e professoras/es que há alternativas mais sustentáveis e menos agressivas à natureza para se cuidar da saúde menstrual.

Tendo em vista que a educação menstrual deveria ser acessada por todas as crianças e adolescentes, entendemos que um novo projeto, mais abrangente, nos ajudaria a problematizar a saúde menstrual a partir de um papel educativo e informativo de forma a orientar as pessoas, menstruantes ou não, acerca das problemáticas da pobreza menstrual e os impactos do descarte das tecnologias menstruais no meio ambiente. Considerando os resultados apresentados nesta ação extensionista, a professora Maria Carmen Aires Gomes submeteu novas propostas de investigação sobre a temática no âmbito dos Editais de Fomento: Edital Demanda Espontânea FAPDF/2023 (Pobreza e Dignidade menstrual, meio ambiente e ciência: enredando o Caleidoscópio em escolas do DF) e Edital Universal CNPq/2023 (Enredando o Caleidoscópio no debate sobre as relações entre discurso, pobreza menstrual, meio ambiente e ciência em escolas de ensino médio no Brasil), que foram contempladas.
Neste texto, apresentaremos os objetivos a serem desenvolvidos nos supracitados projetos (que se complementam) e algumas ações de letramento sobre a saúde menstrual já em curso e suas articulações com as ações do INCT Caleidoscópio, do qual fazem parte, como por exemplo: produção de tecnologias sociais e de comunicação e informação como subsídios para políticas públicas, especialmente aquelas voltadas a pessoas em situação de vulnerabilidade por sua condição interseccional, por meio do Enredado nas Escolas.
O projeto MEInstruação é composto por 28 pessoas: 1 coordenadora geral, 6 coordenadoras regionais, 6 professoras colaboradoras, 3 bolsistas de apoio técnico (CNPq, FAPDF), 5 bolsistas de iniciação científica (CNPq/FAPDF), 5 bolsistas voluntárias e 2 consultoras técnicas, de diversas regiões do país e provenientes de 10 instituições federais, engajadas em desenvolver práticas de letramento em saúde menstrual para a dignidade de pessoas que menstruam.
Objetiva, assim, produzir evidências e saberes identificados em discursos sobre tal realidade, a fim de gerar subsídios para proposições de ações inovadoras para o enfrentamento dos problemas desencadeados pela falta de direitos dos corpos que menstruam em práticas escolares em 5 regiões do Brasil. Por meio da pesquisa etnográfica discursivo-crítica serão geradas narrativas (e analisadas) sobre as vivências, experiências e desafios de estudantes que menstruam, que orientarão o planejamento das ações sobre educação menstrual nas escolas, a partir de práticas de letramento crítico em saúde. Os objetivos específicos são: (i) identificar e analisar discursivamente as narrativas sobre a forma como estudantes que menstruam experienciam e sentem o ciclo menstrual para subsidiar ações e práticas menos colonizadoras e excludentes naquele contexto escolar; (ii) elaborar projeto multidisciplinar sobre educação menstrual emancipatória, decolonial e interseccional por meio de atividade articulada entre as disciplinas de STEM, Humanas, Biológicas e da Terra, para que estudantes conheçam e debatam sobre as relações entre a menstruação, o meio ambiente/saneamento e a evasão e produtividade escolar; (iv) produzir práticas e eventos de letramento sobre saúde e educação menstrual, como por exemplo a produção de podcasts, posts, zines, vídeo de 1 minuto, Reels, com conteúdo, informativo e divulgativo, lives no Instagram sobre não só a importância da Educação Menstrual, mas também sobre como ter acesso e usar (e por que usar) os diversos tipos de tecnologias menstruais e como isso pode impactar o meio ambiente; (v) realizar o Painel (presencial e virtual) – Histórias Inspiradoras de estudantes no STEAM, Humanas, Terra e Biológicas – sobre como a pobreza menstrual pode interferir no desenvolvimento e na produtividade escolar, prejudicando, inclusive, acesso à universidade.
MEInstruação articula-se também com o desenvolvimento de metodologias ativas e críticas, como a elaboração de projetos multidisciplinares de forma a transversalizar conhecimentos sobre ciências, artes, corpos, linguagens e tecnologias e estudos sobre acesso à água e saneamento, meio ambiente, assim como estudos econômicos/matemáticos, para discussão, por exemplo, sobre a taxação de preços das tecnologias menstruais. No Brasil, os absorventes higiênicos são tributados em média 34,48%, aproximando-se da taxação de produtos cosméticos de luxo. Tais questões foram contempladas no texto da Reforma Tributária proposta, hoje, no Brasil, em que os produtos de saúde menstrual poderão ter tributação menor ou zerada para a contribuição Social sobre Bens e Serviços (CBS) e para o Imposto sobre Bens e Serviços (IBS). Essa informação, como se pode observar, é um grande avanço na luta pela dignidade menstrual.
No planejamento dos eventos de letramento crítico em saúde, organizados pedagogicamente em sequências didáticas, são aplicadas ferramentas analíticas dos Estudos Críticos do Discurso (ECD) para identificar e analisar de que modo as explicações e qualificações relatadas por estudantes possam (re-des)articular representações discursivas colonialistas, racistas, capitalistas e de gênero sobre a menstruação. Os eventos são planejados e desenvolvidos à luz da Pedagogia Crítica de Projetos, com ações decoloniais críticas, como proposta por Catherine Walsh (2013, p. 29), partindo da “identificación y reconocimiento de un problema, anuncian la disconformidad con y la oposición a la condición de dominación y opresión, organizándose para intervenir; el propósito: derrumbar la situación actual y hacer posible otra cosa”. Como instrumentos metodológicos previstos nas sequências didáticas, serão usadas as rodas de conversa, que, para Afonso e Abade (2008) e Figueiredo e Queiroz (2013), caracterizam-se como um instrumento participativo que favorece a construção de uma prática dialógica e possibilita o exercício do pensar compartilhado em torno de uma temática. Também serão usados instrumentos tecnológicos, como o Mentimeter, ferramenta pedagógica, que permite a participação ativa des/dos/das estudantes, anonimamente, e possibilita que compartilhem o conhecimento em tempo real, sem constrangimentos.

Das ações em andamento…
Do plano de Divulgação Científica – Como ações voltadas à divulgação das atividades desenvolvidas no MEInstruAÇÃO, já implementamos o Instagram (@projetomeinstruacao), sob a supervisão da Elisa Mattos, bolsista de apoio técnico, para realizar uma comunicação mais dinâmica e regular com a sociedade e também fazer circular os conteúdos informativos de forma a popularizar científica e culturalmente temas sobre a pobreza menstrual.
Da realização de eventos para desenvolver o letramento em saúde menstrual da equipe – planejamos um ciclo de seminários com o objetivo de não só discutirmos as principais orientações em torno da pobreza menstrual, mas também trocarmos experiências e vivências entre as membras da equipe. Nos seminários também estudamos a menstruação em perspectiva crítica, decolonial e interseccional, considerando a produção bibliográfica acadêmica, coletada a partir de trabalho de curadoria da equipe de bolsistas. Foi previsto para o ciclo de seminário 5 encontros virtuais, e já realizamos 2 encontros, sob a coordenação da professora Maria Carmen Gomes.
Do trabalho de curadoria científica, artística, jornalística e técnica, planejamos três ações, duas delas já desenvolvidas, e uma em andamento. Na primeira, realizada pelas bolsistas de Iniciação Científica das cinco regiões e supervisionada pela Alexandra Carvalho, bolsista apoio técnico, foi feita uma curadoria de informações, orientadas por palavras-chave: (i) menstruação; (ii) pobreza menstrual; (iii) dignidade menstrual e (iv) saúde menstrual. As bolsistas, além do material coletado de práticas sociodiscursivas acadêmicas – teses, dissertações, tcc´s e artigos em periódicos; de perfis de rede sociais – Instagram e Facebook; artísticas – documentários, peças de teatro e literaturas; de plataformas digitais veiculadoras de vídeos – Youtube e legislativas – emendas, projetos de lei, leis e reuniões parlamentares, produziram relatórios sobre os instrumentos de coleta dos dados. Na segunda ação, foram realizadas reuniões de discussão teórico-metodológica para a sistematização dos dados coletados, e posterior investigação e análise dos dados para embasar a última ação, em andamento: a produção de artigos científicos para a divulgação dos dados. Observou-se, na curadoria acadêmica, até o momento, que o tema sobre a pobreza menstrual tem sido investigado, com mais ênfase, no campo da saúde, no entanto os estudos não destacam a questão da interseccionalidade.
Desse modo, a menstruação é concebida, no nosso projeto, não somente como um fluido corporal, mas também como um fenômeno histórico-social. Esse deslocamento do saber-poder menstrual orienta para a ressignificação da menstruação através do exercício criativo de autoconhecimento, auto-exploração e autocuidado que respeitem o meio ambiente. Essa ressignificação tem como objetivo resistir aos conhecimentos universais da biomedicina, como a essencialização feminina do menstruar, o conceito de normalidade, o encarceramento da esfera do privado, e caminham para formas (outras) alternativas que decolonizam o pensamento único sobre menstruação e sobre as pessoas que menstruam (Tarzbachi, 2017; Rea, 2019; Sala, 2020; Vásquez, 2022; Menegotto, 2022; Gomes, 2022; 2023).
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Maria Carmen Aires Gomes é Membra do Comitê Gestor do INCT Caleidoscópio. Formada em Letras (Português/Inglês) pela Universidade Federal de Ouro Preto (1993), Mestrado em Estudos Lingüisticos/Análise do Discurso, pela Universidade Federal de Minas Gerais (1996), onde também, na UFMG, realizou o Doutorado em Estudos Linguisticos/Análise do Discurso, em 2003. É Professora Titular da Universidade de Brasília, docente no CEAM – Centro de Estudos Avançados Multidisciplinares.

Alexandra Bittencourt de Carvalho é doutoranda em Linguística do Texto e do Discurso pelo Programa de Pós-Graduação em Linguística da Universidade Federal de Minas Gerais, mestra em Estudos do Texto e do Discurso e graduada em Letras – Habilitação Português e Literaturas em Língua Portuguesa, ambas pela Universidade Federal de Viçosa.

Elisa Mattos é professora Adjunta do Departamento de Letras da Universidade Federal de Viçosa (UFV). Doutora e Mestra em Linguística Aplicada pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). Fez mestrado em English Language Teaching na Universidade NOVA de Lisboa e especialização em Ensino de Inglês na UFMG. É licenciada em Letras – Português e Inglês pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais (PUC Minas).