
Por Morgani Guzzo e Pedro Ordones
Você já se perguntou qual é a importância das mulheres para a história do rádio no Brasil? Já pensou no lugar e no papel que elas desempenham e desempenharam no desenvolvimento desta área de estudos?
O rádio chega ao Brasil com a primeira transmissão em 1919. Em 1922, no centenário da Independência, acontecem as primeiras transmissões comerciais e, já no ano seguinte, Maria Beatriz Roquette-Pinto entra para história, sendo a primeira mulher radialista do país, atuando como locutora, diretora de programação, produtora e outros cargos e funções na Rádio Sociedade do Rio de Janeiro, fundada por seu pai.
Além da presença feminina ser conhecida desde os primórdios do radialismo brasileiro, as mulheres também foram pioneiras na pesquisa científica neste campo de estudos. Nos anos 1960, a jornalista, radialista, professora e pesquisadora Maria José de Andrade Lima, a Zita, foi a primeira, que se tem registro, a trabalhar com o rádio como objeto de estudo no Brasil. (ZUCULOTO, 2016, p. 27).
Apesar da importância das mulheres para a área, o destaque de seus trabalhos e de suas trajetórias não tem se refletido nas citações das produções científicas. A pesquisa Estudos radiofônicos com perspectivas de gênero: um olhar para a produção científica brasileira, desenvolvida por Debora Cristina Lopez e Juliana Gobbi Betti, tem buscado dimensionar essa presença e relevância.
“Esse tensionamento com relação ao recorte de gênero e raça no meio radiofônico é muito recente. Não que não tivesse estudo sobre isso antigamente; há registros de estudos da década de 90 que tratam dessas temáticas, porém ainda são muito espaçados no tempo e ainda um pouco isolados”, explica Juliana em fala durante a sétima sessão do Seminário do Observatório Sul-Sudeste do Caleidoscópio, que ocorreu em novembro de 2023, de forma remota.
Assista à apresentação de Debora Lopez e Juliana Gobbi Betti no nosso canal do Youtube:
Com o objetivo de analisar a presença das mulheres como autoras e referências na produção científica radiofônica brasileira, as pesquisadoras buscaram quantificar e qualificar trabalhos acadêmicos publicados nos principais grupos de comunicação radiofônica no Brasil, que fazem parte da Associação Nacional dos Programas de Pós-graduação em Comunicação (Compós), da Associação Brasileira de Pesquisadores de História da Mídia (Alcar) e da Sociedade Brasileira de Estudos Interdisciplinares da Comunicação (Intercom). No total, foram analisadas 21 edições da Compós, 13 da Alcar e 29 da Intercom.
Textos assinados por homens são mais citados
Ao levantar as publicações e categorizar por tipo de autoria (individual ou coletiva), origem dos autores, vinculação institucional, gênero textual citado e data da publicação, além de sistematizar a autoria das citações em cada um dos textos, as pesquisadoras perceberam que, apesar da presença de mulheres ser majoritária neste campo de estudos, os homens ainda são os mais citados nos trabalhos científicos.
“Embora a maioria das lideranças de pesquisa radiofônica sejam femininas, quando analisamos a construção do conhecimento e da mulher como ser pensante, capaz de avançar o campo, os homens apareciam muito mais destacados”, explicou Débora, durante a apresentação no Seminário.
Em relação à autoria, dos textos na Intercom, 47% foram assinados somente por mulheres; na Alcar, foram 50,64%; e na Compós, 40%. No entanto, quando observadas as citações dos trabalhos, as mulheres não chegam a 30% das referências citadas. Na Compós, das 837 publicações, 64% dos autores referenciados são homens e apenas 21,5% são mulheres; na Alcar, entre as 5105 obras analisadas, 55,85% são referências masculinas, enquanto apenas 26,19% são femininas; e na Intercom, dos artigos referenciados, apenas 21,34% são assinados por mulheres, enquanto 78,66% são homens que assinam.
Para as pesquisadoras, há um padrão que promove desigualdades e reforça privilégios que foram estabelecidos com base em uma organização do meio científico em uma perspectiva masculina e branca. “Há um predomínio de pessoas brancas em três de quatro espaços pesquisados, com 75% na Intercom e 66% na Alcar”, mostrou Juliana.
A pesquisa, que está em andamento e tem financiamento da CNPq, FAPEMIG e UFOP, definiu primeiramente a autoria dos textos de forma binária, a partir da leitura dos nomes das/os autoras/es e identificação entre homens e mulheres. No entanto, as pesquisadoras afirmam que a próxima etapa irá levantar o gênero e a identificação de raça/etnia a partir de formulários enviados para cada autora/autor dos textos, possibilitando uma análise interseccional que quem são as pesquisadoras e referências na área de estudos do rádio.
Sobre as pesquisadoras
Debora Cristina Lopez é doutora em Comunicação e Cultura Contemporâneas pela Universidade Federal da Bahia (UFBA). É professora do Programa de Pós-graduação em Comunicação e da graduação em Jornalismo da Universidade Federal de Ouro Preto (UFOP), vice-coordenadora do Programa de Pós-graduação em Comunicação da UFOP e coordenadora do Grupo de Pesquisa Convergência e Jornalismo (ConJor) e do Grupo de Estudos Comunicação e Epistemologias Feministas (GECEF/UFOP). É bolsista Produtividade em Pesquisa PQ2 (CNPq). Integra o Observatório Sul-Sudeste do INCT Caleidoscópio, a Rede Brasileira de Mulheres Cientistas (RBMC) e o Coletivo Andorinhas (UFOP). É vice-coordenadora do Grupo de Trabalho e Estudos Radiofônicos da Associação Nacional dos Programas de Pós-Graduação em Comunicação e integra o Conselho Geral da Associação das Rádios Universitárias do Brasil (RUBRA) como Diretora de Relações Institucionais.
Juliana Gobbi Betti é pós-doutoranda no Programa de Pós-graduação em Comunicação da Universidade Federal de Ouro Preto (UFOP), doutora e mestra em Jornalismo pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), pós-graduada em Filosofia e Direitos Humanos pela Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUC-PR) e graduada em Comunicação Social com habilitação em Jornalismo pela Universidade Metodista de São Paulo. É coordenadora do GT História da Mídia Sonora da Alcar e do Grupo de Estudos Comunicação e Epistemologias Feministas (GECEF/UFOP). Integrante do Grupo de Investigação em Rádio, Fonografia e Áudio (UFSC), do Grupo de Estudos em Jornalismo e Conhecimento (UFSC) e do Grupo de Pesquisa Convergência e Jornalismo (ConJor). Integra, ainda, a Rede de Pesquisa em Radiojornalismo (RadioJor) da SBPJor – Associação Brasileira de Pesquisadores em Jornalismo, o Observatório da Região Sul-Sudeste do INCT Caleidoscópio e o Coletivo ComFreire: estudos por uma comunicação emancipatória (UFSC/UnB).
Referências:
ASSAD, Germano. História do rádio acompanha emancipação da mulher no Brasil. Associação das Emissoras de Radiodifusão do Paraná. 12/03/2021. Disponível em: https://aerp.org.br/geral/historia-do-radio-acompanha-emancipacao-da-mulher-no-brasil/. Acesso em 3 fev. 2025.
LOPEZ, Debora Cristina; BETTI, Juliana Cristina Gobbi; FREIRE, Marcelo . EPISTEMOLOGIAS DOS ESTUDOS RADIOFÔNICOS: construir a pesquisa com lentes plurais. In: ANAIS DO 33° ENCONTRO ANUAL DA COMPÓS, 2024, Niterói. Anais eletrônicos…, Galoá, 2024. Disponível em: https://proceedings.science/compos/compos-2024/trabalhos/epistemologias-dos-estudos-radiofonicos-construir-a-pesquisa-com-lentes-plurais?lang=pt-br Acesso em: 03 Fev. 2025.
LOPEZ, Debora Cristina; BETTI, Juliana Gobbi ; FREIRE, Marcelo; GOMES, Janaina. Análise de referências com apoio em software: uma proposta metodológica para a abordagem de gênero nos estudos radiofônicos. In: Maria Cristina Gobbi; Osvaldo J. de Morais; Denis Renó. (Org.). Reflexões e práticas acadêmicas na Comunicação Latino-Americana. 1ed. Aveiro: Ria Editorial, 2024, v. 1, p. 255-281. Disponível em: https://www.riaeditorial.com/livro/reflexoes-e-praticas-academicas-na-comunicacao-latino-americana.
ZUCULOTO, Valci Regina Mousquer. A história do campo acadêmico do rádio no Brasil: registros referenciais para uma proposta de roteiro de percurso. In. ZUCOLOTO, Valci; LOPEZ, Debora; KISCHINHEVSKY, Marcelo (org.). Estudos Radiofônicos no Brasil: 25 anos do Grupo de Pesquisa Rádio e Mídia Sonora da Intercom. São Paulo: Intercom, 2016, p. 26-47.
WINTER, Yasmin; VIANA, Luana. A Podosfera É Delas?: um panorama histórico brasileiro sobre rádio e mulheres. Anais do XIII Encontro Nacional de História da Mídia. Disponível em: https://redealcar.org/wp-content/uploads/2021/08/07_gt_historiadamidiasonora.pdf. Acesso em 3 fev. 2025.